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A escritora e terapeuta Júlia Jalbut, 40 anos, compartilha sua experiência transformadora com a escrita de seu livro Uma casa que não pode cair. A obra, publicada em 2023, retrata os desafios de cuidar de seus pais durante períodos críticos de doença. Em sua trajetória, Júlia teve de deixar a faculdade de teatro aos 22 anos para tornar-se cuidadora de sua mãe, diagnosticada com câncer, e de seu pai, que enfrentava problemas cardíacos e diabetes. A primeira edição do livro esgotou rapidamente, levando à publicação de uma segunda tiragem.
Atualmente radicada em Portugal, na Malveira da Serra, onde vive com o marido em busca de uma vida mais conectada à natureza, Júlia atua no Hospital Sírio Libanês, desenvolvendo projetos de cuidados integrais de saúde. Dia 23 de março, ela fará uma apresentação de sua obra na livraria Indie Not a Bookshop, em Cascais.
Um guia para a adversidade
Durante a construção do livro, Júlia percebeu que muitas pessoas enfrentam experiências semelhantes sem as informações e apoio necessários. “Criar essa obra foi uma forma de mapear esse território delicado, buscando fornecer suporte a quem viveu ou viverá essa realidade”, explica. Sua experiência é entremeada com relatos de especialistas e outras referências literárias, enriquecendo a narrativa e tornando-a um ponto de partida para discussões sobre temas universais relacionados ao cuidado e à morte.
O tabu da morte
No lançamento da segunda edição de seu livro, uma ouvinte expressou um sentimento comum: deu o livro a várias pessoas mas esperava nunca precisar lê-lo. “A morte é um assunto que todos nós enfrentamos, e quanto mais evitamos conversar sobre isso, mais difícil se torna lidar com a realidade quando ela se apresenta”, reflete Júlia, enfatizando a importância de desmistificar e abordar a morte como parte da experiência humana.
Humanizando a morte
Para Júlia, a morte não deve ser vista como um inimigo a ser combatido. “Nosso entendimento sobre a morte mudou ao longo do tempo; hoje, muitas vezes é encarada como um fracasso médico. A verdade é que falar sobre a morte nos aproxima da nossa condição humana”, afirma. O livro busca normalizar sentimentos e emoções que normalmente vêm à tona nesse confronto, como tristeza e raiva, e convida os leitores a refletirem sobre a dignidade no momento final da vida.
Dignidade no cuidado
Em uma crítica ao discurso comum que sugere que não há mais nada a fazer quando os tratamentos falham, Júlia defende que sempre há maneiras de cuidar de quem amamos até o fim. “É importante honrar a memória da pessoa que partiu e escolher como nos despedir. Esse cuidado pode oferecer um campo vasto de possibilidades, mesmo diante da finitude”, explica.
Desmistificando o papel do cuidador
O papel do cuidador muitas vezes é idealizado, mas Júlia destaca que esse trabalho envolve uma gama de emoções complexas. “Cuidar é uma experiência que revela tanto luzes quanto sombras”, diz, lembrando que sentimentos como exaustão e raiva também fazem parte do processo. O vínculo com a pessoa que se cuida traz à tona não apenas o amor, mas também as relações pré-existentes e os conflitos que podem surgir.
Um convite à reflexão
Embora seu livro traga reflexões e experiências pessoais, Júlia se recusa a classificá-lo como um manual de autoajuda. “Eu não prescrevo soluções, mas sim convido os leitores a refletirem sobre suas próprias experiências. Cada um vive esses momentos de maneira única, e não existe um único caminho a seguir”, salienta.
Literatura como apoio
Ela inclui referências literárias ao longo de sua obra, reconhecendo a importância de outras vozes e experiências que podem ajudar quem está passando por situações similares. “A literatura e o diálogo com diversos autores foram fundamentais para entender e dar sentido à minha vivência”, explica. Essa diversidade de fontes está presente no livro, permitindo que os leitores explorarem mais a fundo os temas abordados.
Novos projetos literários
Animada com a escrita, Júlia já planeja novos livros. “Um dos meus projetos é falar sobre o luto infantil, um tema pouco discutido, e o outro aborda o cuidado integral da saúde, um assunto que me é muito querido”, revela. Essa continuidade em sua trajetória literária promete trazer novas perspectivas e reflexões sobre temas essenciais da vida.
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