Transparência Financeira da Igreja Católica: Avanços e Desafios Durante o Papado de Francisco
O patrimônio total da Igreja Católica permanece um mistério, mas o papado de Francisco, que nos deixou no dia 21 de abril, trouxe avanços significativos em termos de transparência na gestão financeira do Vaticano. As fontes de receita da instituição são variadas, incluindo doações, imóveis, ativos do Banco do Vaticano e até mesmo turismo religioso.
O marco da transparência financeira
Em 2021, pela primeira vez, foi publicado um balanço financeiro público da Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA), a entidade responsável pela gestão dos imóveis e investimentos da Igreja. O relatório mais recente, que abrange o ano de 2023, revelou um lucro de 45,9 milhões de euros (aproximadamente R$ 298,7 milhões) e um aumento de ativos de 7,9 milhões de euros (R$ 51,4 milhões).
Apesar da divulgação dos balanços da APSA e do Banco do Vaticano, oficialmente conhecido como Instituto para as Obras de Religião (IOR), especialistas afirmam que não é possível quantificar a riqueza da Igreja de maneira precisa. “O que existe hoje é uma pulverização enorme desse patrimônio, que é muito grande”, afirma Fernando Roberto de Freitas Almeida, coordenador de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). A descentralização das finanças, com cada diocese gerindo seu próprio orçamento, complica ainda mais essa tarefa.
Fontes de receita da Igreja Católica
Em 2023, as doações foram os maiores responsáveis pelos resultados financeiros da APSA, representando 45% do total. Os rendimentos de operações próprias, como a gestão de imóveis, contribuíram com 42%. Os investimentos financeiros e as contribuições de outras entidades relacionadas ao Vaticano somaram 10% e 3%, respectivamente.
A APSA administra mais de cinco mil propriedades, a maioria na Itália, consagrando-se como uma das maiores proprietárias de terras do mundo. Durante a divulgação dos resultados, o arcebispo Giordano Piccinotti, presidente da APSA, anunciou a implementação de um novo sistema de gestão imobiliária, que inclui revisões nos cálculos de aluguéis.
Almeida enfatiza a importância das doações de fiéis não apenas para o crescimento do patrimônio da Igreja, mas também para sua manutenção. Próximo ao Dia de São Pedro e São Paulo, celebrado em 29 de junho, dioceses ao redor do mundo arrecadam uma contribuição chamada “Óbolo de São Pedro”, descrita como uma ajuda econômica ao Santo Padre para as necessidades da Igreja e o trabalho em favor dos mais necessitados.
Os anos de 2020 e 2021, marcados pela pandemia de covid-19, impactaram negativamente as receitas da Igreja, com uma queda nas contribuições e um aumento dos gastos.
Uso das doações no Vaticano
As doações, sejam em dinheiro, propriedades ou bens, ainda desempenham um papel crucial nas finanças do Vaticano, mas a maneira como são utilizadas evoluiu ao longo dos anos. A história da construção de empreendimentos como a Capela Sistina revela que a arrecadação era fundamental para essa opulência associada à Igreja. “Para alguém que visita o Vaticano, é um deslumbramento. Tudo aquilo é estupidamente caro, mas foi construído em outra época. Hoje, não há como a Igreja realizar esses investimentos”, comenta um especialista sobre o tema.
Turismo e patrimônio cultural
O turismo religioso se destaca como outra fonte significativa de receita para a Igreja Católica. Dioceses e museus ao redor do mundo, incluindo o próprio Vaticano, atraem milhões de visitantes anualmente. Exemplos notáveis incluem os Santuários de Fátima, em Portugal, e Nossa Senhora Aparecida, em São Paulo.
Esse fluxo financeiro inclui ingressos, doações e a venda de produtos ligados à fé. Para o padre Reuberson Ferreira, doutor em Teologia e professor na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ao discutir a riqueza do Vaticano, é essencial considerar que o patrimônio da Igreja vai além do capital: “Tem o patrimônio artístico e cultural que a Igreja custodia em nome da civilização como um todo. É um patrimônio que não pode ser alienado”, afirma, mencionando as inestimáveis esculturas, pinturas e outras obras de arte que fazem parte desse legado.
Embora o patrimônio da Igreja Católica seja vasto e diversificado, a sua gestão financeira e utilização das doações continuam sendo temas de discussão e análise no contexto atual. A transparência e a modernização na administração financeira são passos essenciais para o futuro da instituição, que enfrenta novos desafios num cenário global em constante mudança.
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