Filas de Espera no SUS: Um Retrato da Saúde Pública Brasileira
Cerca de 5,7 milhões de pessoas aguardavam uma consulta no Sistema Único de Saúde (SUS) e aproximadamente 600,4 mil estavam na fila por cirurgias em janeiro deste ano. Esses números, coletados pelo Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), uma ferramenta do governo federal para gerenciar o acesso à saúde pública, revelam um quadro preocupante. Entretanto, é importante ressaltar que esses dados podem ser ainda mais alarmantes, já que a própria pasta de saúde admite a incompletude das informações.
A dificuldade em obter dados precisos é um tema recorrente entre especialistas, que apontam que a falta de dados integrais dificulta a elaboração de políticas públicas eficazes. A ferramenta utilizada pelo Ministério da Saúde não é a única no cenário. As secretarias estaduais e municipais de saúde enviam informações ao Sisreg, mas esse envio não é obrigatório. Resultado: 13 das 27 unidades federativas não fornecem dados completos, e 10 capitais, como São Paulo e Belo Horizonte, têm sistemas próprios que não se conectam ao federal.
Tempo de Espera Aumenta
Os dados, mesmo considerados subnotificados, mostram que a espera por consultas médicas nunca foi tão longa. De acordo com informações obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI), em média, os pacientes esperaram quase dois meses (57 dias) para serem atendidos em 2024. Essa média supera a vivida durante a pandemia de Covid-19, quando a espera média foi de 50 dias, um marco anteriormente considerado alarmante que remonta a 2009.
Ministério da Saúde em Ação
Com a redução do tempo de espera para consultas, exames e cirurgias sendo uma prioridade, o Ministério da Saúde reconhece as falhas no controle de dados. A partir de 10 de março, uma portaria foi publicada, anunciando a criação do E-SUS Regulação, um novo sistema que substituirá o atual. A portaria estabelece a obrigatoriedade do envio periódico de informações sobre filas ao ministério, que serão integradas na Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS). As secretarias estaduais e municipais poderão optar por utilizar o E-SUS para esse fim.
A decisão de desenvolver um novo sistema foi motivada pelas falhas identificadas no Sisreg. A nova normativa garante que o envio dos dados por gestores locais será obrigatório, independente de qual ferramenta esteja em uso. Um plano operacional deverá ser definido em até 30 dias entre os três entes federais.
Desafios e Versões da Tecnologia
As razões apontadas por estados e municípios para a não adesão ao sistema atual incluem limitações da própria ferramenta. A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, por exemplo, desenvolveu um sistema próprio que permite funcionalidades como anexar exames e organizar a telerregulação, além de possibilitar atualizações clínicas. A secretaria municipal de São Paulo também mencionou a adequação de seu sistema ao volume de dados que precisa ser monitorado, enquanto a prefeitura de Belo Horizonte já iniciou discussões para compartilhar informações com o Ministério.
A Percepção dos Especialistas
Lígia Bahia, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em Saúde Pública, critica a falta de um sistema confiável que controle atendimentos especializados. Ela questiona: “Como o Ministério da Saúde pode ter políticas que não são baseadas em evidências?”. Para Lígia, é fundamental ter dados não apenas sobre o tempo de espera, mas também sobre a qualidade do atendimento oferecido, citando inclusive casos tristes de complicações em procedimentos como a cirurgia de catarata.
“Precisamos de dados de tempo de espera, mas também de qualidade [do atendimento]. Pessoas fazem cirurgias de catarata em mutirões e ficam cegas.”
Esquemas Irregulares no Sistema
Além da falta de dados, surgem também preocupações com possíveis fraudes. No início do ano, a Polícia Federal deflagrou uma operação para investigar um esquema de inserção de dados falsos no Sisreg. Servidores de uma secretaria municipal no Rio de Janeiro estavam envolvidos na inserção dos nomes de suas famílias na fila de espera, negociando essas posições em troca de favores políticos. As vagas viravam moeda de troca em um cenário que denuncia falhas graves na supervisão e controle do sistema.
Este panorama evidencia não apenas a fragilidade do sistema de saúde pública brasileiro, mas também a urgência de melhorias para assegurar que todos tenham acesso a um atendimento digno e eficaz.
REPORTAGEM
Sarah Teofilo, Dimitrius Dantas, Karolini Bandeira
IDEALIZAÇÃO
Thiago Bronzatto
DESENVOLVIMENTO
Hudson Lessa
GRÁFICOS
Mario Martinho, Thiago Quadros, Vinicius Machado
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