A Importância do Silêncio na Interpretação: Reflexões sobre Fernanda Montenegro
Na cena final do aclamado Ainda Estou Aqui, a talentosa Fernanda Montenegro dá vida a Eunice Paiva, uma mulher afetada pelo Alzheimer em estágio avançado. Sem pronunciar uma única palavra, a atriz entrega ao público um poderoso retrato de uma viúva que desafiou a ditadura militar com sua resiliência.
O professor de direito constitucional Joaquim Falcão, autor do livro Pausa & Linha: O Poder em Fernanda Montenegro, reflete sobre a importância do silêncio na interpretação da atriz. Segundo ele, “O silêncio, às vezes, é mais importante do que é dito”. Essa afirmação ecoa não apenas na tela, mas também na vida pessoal de Fernanda.
A ideia para o livro surgiu de um encontro casual durante um jantar em que Falcão conversava com a atriz após sua eleição para a Academia Brasileira de Letras (ABL). O diálogo começou leve, com menções a Nelson Rodrigues, mas logo Falcão notou como as respostas de Fernanda eram temporizadas, repletas de pausas que aguçavam sua curiosidade sobre o significado desses momentos silenciosos.
Naquela noite, nasceu não apenas a semente de um projeto literário, mas também uma amizade que se solidificou ao longo do tempo. Falcão revela que a elaboração de sua obra foi um esforço colaborativo: “Nos reuníamos em diversos locais. Seja na ABL, na minha casa ou até mesmo em Lisboa, onde ambos temos residência, sempre conversávamos.” Essa troca produtiva refletia um profundo respeito pela arte de interpretar.
O autor defende que as pausas não constituem meros “desperdícios de tempo”, mas sim reflexões estratégicas essências na arte da interpretação. Para ele, no contexto atual brasileiro, há uma superabundância de palavras e uma escassez de silêncios significativos. “Precisamos de silêncios inteligentes”, argumenta.
Falcão foi levado a explorar essas estratégias diretamente com Montenegro no dia de sua posse na cadeira 17 da ABL, em 25 de março de 2022. Sentado ao lado dela, o professor notou as diversas marcações e símbolos que ornamentavam o discurso que ela estava prestes a ler. “Através de símbolos, ela define as pausas, a velocidade, o ritmo e a intensidade da voz dela”, explica Falcão, revelando um aspecto singelo e profundo do processo interpretativo.
A palavra escrita no texto transmite a mensagem, mas a pausa, essa vem do intérprete. “É a pausa que define o que será realmente comunicado”, ressalta o autor, destacando a singularidade da interpretação de Fernanda.
O novo livro de Falcão, que busca aprofundar-se nessas nuances, traz uma proposta inovadora ao incluir páginas em branco, criando um espaço para que o leitor também possa refletir sobre as mesmas pausas. Esse trabalho gráfico é uma tentativa de facilitar a imersão no universo das interpretações.
Além disso, a obra incorpora recursos multimídia, fundindo leitura, audição e imagem. QR codes presentes nas páginas direcionam o leitor para vídeos em que Fernanda demonstra oralmente sua arte, trazendo uma vivência mais rica e profunda sobre o conteúdo do livro.
Para Falcão, o foco da obra vai além de ser apenas sobre a atriz: “O livro é Fernanda”. Essa afirmação destaca a essência de Montenegro, que vai muito além de seu papel nas telinhas e palcos, transformando a arte da interpretação em um campo fértil de reflexões e aprendizados.
Leia a matéria na integra em: www1.folha.uol.com.br