A Praça do Sebo: O Reflexo do Declínio e a Perseverança na Cultura Literária do Recife
A Praça do Sebo, localizada no coração do Recife, é um espaço icônico que há mais de 40 anos mantém viva a tradição da venda e troca de livros. Recentemente, o governo municipal investiu na reforma do local, realizando melhorias na pintura das grades, renovação dos bancos e recuperação do calçamento. Contudo, as transformações físicas não foram suficientes para resolver o principal desafio enfrentado pelos proprietários das 18 bancas: a drástica redução no fluxo de visitantes, atribuída às mudanças que a cidade viveu desde a pandemia.
Iraci Petronilo, de 63 anos e proprietária de um box de livros, relata: “A maioria das lojas fecharam e isso afeta muito. Antes, as pessoas vinham comprar roupas e outros objetos e aproveitavam para passar aqui. O centro está abandonado.” Concentramo-nos nos livros usados, em contraste com muitos concorrentes que também oferecem publicações novas. Atualmente, ela estima ter cerca de mil livros em seu estoque, uma quantidade que chega a mais de dois mil durante o pico de vendas em janeiro.
A empresária comenta que, em tempos passados, o comércio na praça girava em torno de uma variedade de gêneros literários, mas agora a maioria das vendas se concentra em livros escolares, relegando a literatura para um segundo plano e dificultando as vendas durante muitos meses do ano. Segundo Iraci, essa especialização demanda uma organização financeira cuidadosa, pois o movimento entre dezembro e março representa cerca de 80% do faturamento anual.
Embora o movimento de clientes tenha caído nos últimos anos, Iraci destaca que, em um passado não muito distante, tinha dez funcionários, e hoje sobrevive com apenas um. “Havia dias em que eu atendia seis clientes de uma vez, hoje não é mais como antes”, lamenta.
O período pós-Carnaval é visto como a última esperança para impulsionar as vendas, momento em que os vendedores recebem as encomendas. Nas proximidades da praça, há uma rua restrita a pedestres, rodeada por mesas de bares e enfeitada com a estátua do poeta pernambucano Mauro Mota (1911-1984).
Além das publicações didáticas, os livreiros da praça ainda comercializam livros paradidáticos de segunda mão. “Os mais procurados são os de Machado de Assis e José de Alencar”, menciona Iraci, que também participa esporadicamente de feiras em universidades para aumentar a renda. Um exemplo da realidade econômica local é a venda de uma coleção de livros adotada por escolas particulares, disponível por R$ 450 à vista, enquanto o material novo chega a custar R$ 1.800.
Memórias e Desafios do Sebo
Severino Augusto, de 65 anos, é um dos fundadores da Praça do Sebo e conhecido como Augusto Livros entre os colegas e clientes. Desde 1981, ele atua no local e foi um dos primeiros livreiros do sebo de Santo Antônio, situado atrás da Avenida Guararapes. Sua percepção sobre a pandemia é clara: “Foi um divisor de águas. O movimento caiu drasticamente. Hoje, muitas pessoas optam por fazer compras pela internet.” Para ele, a solução pode estar na promoção de mais habitações na área central, o que, acredita, atrairia mais visitantes e possivelmente novos negócios.
Há seis anos, Augusto gerencia seu espaço sozinho, após sua filha decidir seguir uma carreira distinta. No seu box, há mais de mil livros organizados meticulosamente por editora e ordem alfabética dos títulos. Embora os livros didáticos dominem suas vendas, Augusto não deixa de oferecer romances e publicações históricas sobre Recife, Olinda e Pernambuco.
A expansão de seu espaço aconteceu em meados da década de 1990, fruto de sua perseverança. Ele cita o livro O Velho e o Mar de Ernest Hemingway como uma de suas inspirações. “O personagem é perseverante, nunca desiste de pegar o peixe grande. Devemos ter um objetivo na vida e buscar até o fim”, afirma.
Após mais de quatro décadas trabalhando na mesma localização, Augusto vê seus clientes atravessarem gerações. “Tem cliente que vinha aqui quando era estudante, e agora traz o filho”, conta. Ana Valéria Marinho, uma servidora pública de 55 anos, recorda: “Costumava vir aqui quando era criança. Agora, compro livros para o meu sobrinho.” Ela ressalta que a estrutura da praça continua a mesma, mas lamenta o abandono do centro pelas autoridades. Já Aldeni Lacerda, também empreendedora, acredita que dar mais visibilidade à Praça do Sebo poderia atrair um público maior.
Leia a matéria na integra em: www1.folha.uol.com.br