Reflexões e Aprendizados após Oitenta Anos de Vida

A Nova Fase de Carlos Zilio: Reflexões Através da Pintura

O Paço Imperial, localizado no coração do Rio de Janeiro, abriga a individual “Pintura com a pintura”, que marca um novo recomeço na carreira do renomado artista Carlos Zilio, em sua trajetória de seis décadas. A mostra apresenta 11 telas em sua maioria em preto e branco, criadas entre 2023 e 2024, que simbolizam o fim de um ciclo de obras inspiradas em tamanduás, uma conexão afetiva que Zilio estabeleceu com seu pai, que faleceu em 1985.

A dedicação à pintura inspirada no tamanduá começou após a morte de seu pai e ganhou força a partir de 2007, quando Zilio decidiu explorar uma narrativa mais pessoal, tendo como base um tamanduá de estimação que foi parte da infância de seu pai no interior do Rio Grande do Sul. Contudo, após uma significativa exposição na Fundação Iberê Camargo em 2023, o artista resolveu mudar sua concepção e mergulhar em telas que representam “o nada”, buscando referências no minimalismo e nas obras de mestres como Kazimir Malevich e Barnett Newman.

Retrospectiva em São Paulo

Paralelamente à sua individual no Rio, Zilio é celebrado na exposição “Carlos Zilio – A querela do Brasil”, em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo. Nesta panorâmica, mais de cem obras de sua carreira desde 1966 são reunidas, mostrando sua evolução como um dos principais nomes da Nova Figuração e seu engajamento político durante a ditadura militar. Curada por Paulo Miyada, a mostra destaca a diversidade técnica de Zilio, incluindo pinturas, desenhos, objetos e instalações, refletindo sua contínua capacidade de reinvenção.

Do Tamanduá ao Minimalismo

Ao refletir sobre sua nova fase, Zilio menciona um momento marcante: “Quando voltei do Rio Grande do Sul, coloquei um tamanduá na minha frente e pensei: ‘Não, isso acabou’. Aí pintei por cima do tamanduá um quadro todo escuro, chamado ‘Ausência’, que encerra a exposição em São Paulo.” O artista compartilha que, ao chegar aos 80 anos, começou a explorar a temática do nada e como poderia representá-lo em sua arte, resultando em um vocabulário pictórico minimalista.

Na mostra do Itaú Cultural, destaca-se, por exemplo, a obra “Lute” (1967), um objeto de resina acondicionado em uma marmita de alumínio, inicialmente planejado para ser massivamente produzido e distribuído nas fábricas como forma de mobilização contra o autoritarismo. Contudo, com a promulgação do AI-5, Zilio se vê forçado a deixar a arte momentaneamente, dedicando-se ao movimento estudantil e se tornando um resistente até ser preso em 1970. Os desenhos que produziu durante sua prisão são uma expressão significativa de sua vivência na clandestinidade e ganham destaque na retrospectiva.

A Arte como Diário de Cárcere

Zilio recorda que os desenhos feitos na prisão não apenas representaram sua resistência, mas também uma forma de manter sua identidade artística: “Ali era uma maneira de existir mesmo. Na cadeia você tem que criar uma disciplina. Levanta, faz ginástica, toma banho, faz a barba. É como se estivesse pronto para sair, para a vida.”

Após sua libertação, Zilio exilou-se em Paris, onde completou seu doutorado em artes na Universidade de Paris VIII. Em sua vivência na Europa, ele teve acesso a obras ímpares que influenciaram seu retorno à pintura: “Eu virei um rato de Louvre, e isso me fez inevitavelmente começar a pensar a pintura. Minha volta à pintura foi também a minha volta à cultura. Porque a política é o agora, mas a cultura é o que nos sustenta.”

A partir de 1978, Zilio passou a produzir abstrações, focando em experiências pictóricas que o levariam a investigar novas perspectivas artísticas. Segundo ele, isso se deu por meio de um questionamento contínuo sobre a própria pintura e a relação com outros artistas que o inspiravam.

Um Artista em Movimento

Com a recente homenagem ao seu trabalho, Zilio reflete sobre suas novas produções e os desafios enfrentados ao longo dos anos. Embora tenha sofrido um acidente que o impediu de pintar por um tempo, ele afirma que está se recuperando e está ansioso para retornar ao ateliê. “Agora volto para a minha vidinha, de acordar, ir para o ateliê, trabalhar, ler meus livros. O importante é estar lá”, diz o artista, que continua a refletir sobre sua trajetória enquanto se prepara para mais criações.

Carlos Zilio, agora aos 80 anos, está em constante evolução, revisitando sua história e explorando novas experiências que somente um artista de sua estirpe pode captar. As celebrações em torno de seus 80 anos servem não apenas para celebrar sua carreira, mas também para olhar adiante, em busca de novas representações por meio da arte.

Leia a matéria na integra em: oglobo.globo.com

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