Saudade e Depressão: Como a Nostalgia Pode Ser uma Luz na Escuridão

A saudade é um sentimento que evoca uma mistura de emoções, frequentemente ligado a momentos e memórias significativas. Para muitos, a saudade simboliza a ausência de pessoas, lugares ou momentos que marcaram a vida. Para outros, trata-se de uma mistura de nostalgia e boas recordações, gerando uma sensação que transita entre a alegria e a tristeza.

Um estudo inovador publicado por um neurocientista brasileiro em parceria com pesquisadores do King’s College London sugere que esse sentimento pode ajudar a amenizar sintomas de depressão.

A saudade pode tratar a depressão? Descubra o que a ciência diz

Segundo o dicionário Michaelis, saudade é definida como: “sentimento nostálgico e melancólico associado à recordação de pessoa ou coisa ausente, distante ou extinta, ou à ausência de coisas, prazeres e emoções experimentadas e já passadas, consideradas bens positivos e desejáveis.” Com essa definição, torna-se mais fácil compreender a pesquisa publicada no periódico Frontiers in Psychology, resultado da colaboração entre cientistas do King’s College e Jorge Moll Neto, neurocientista brasileiro fundador do IDOR Ciência Pioneira, uma iniciativa voltada para pesquisas avançadas.

Explorar a saudade sob essa nova perspectiva é crucial, uma vez que o uso desse sentimento no tratamento da depressão pode parecer incomum, especialmente por suas conotações melancólicas. No entanto, a saudade possui uma dualidade, podendo ser entendida também como um amor e um apreço por eventos passados. A memória de músicas, livros ou filmes antigos é uma forma comum de acessar essa sensação de nostalgia, muitas vezes repleta de lembranças alegres.

O pesquisador Jorge Moll Neto comenta: “A saudade pode ser vista como um sentimento que traz uma nova valorização sobre eventos e pessoas, auxiliando o paciente a se reconectar com memórias significativas. Apesar de não ser unicamente positiva, quando explorada sob essa nova ótica, pode proporcionar importantes efeitos de estabilização emocional e reforço do sentido da vida.”

Do ponto de vista psicológico, a saudade é um sentimento complexo, muitas vezes relacionado ao pertencimento, à família e ao significado da vida. Embora essa temática seja ainda pouco explorada, ela foi um motivo para que os pesquisadores decidissem aprofundar-se no assunto, unindo as lacunas de pesquisa com observações clínicas.

O estudo em questão buscou um novo caminho para tratar a depressão, que atualmente afeta mais de 11 milhões de brasileiros, conforme dados da OMS. Com base em discussões anteriores e em estudos que associam a nostalgia a um sentido de vida, os cientistas formularam a hipótese de que a saudade poderia ser um recurso emocional valioso na psicoterapia.

Como foi realizada a pesquisa

A pesquisa contou com a participação de 39 indivíduos que enfrentavam sentimentos intensos de autocrítica e autoculpabilização, comuns em quadros de depressão, e que geralmente vêm acompanhados de baixa autoestima e desesperança. É importante ressaltar que os participantes não tinham um diagnóstico clínico.

Os voluntários foram selecionados a partir de anúncios online e redes sociais. Cada um foi convidado a criar um vídeo de 10 minutos, utilizando fotos, vídeos e músicas. Na primeira parte da atividade, os participantes foram instruídos a evocar sentimentos de autocrítica e tristeza, enquanto na segunda parte deveriam explorar a saudade através de memórias afetivas e significativas do passado.

Após a produção dos vídeos, os participantes receberam a tarefa de assistir ao material diariamente durante uma semana e, ao mesmo tempo, refletirem sobre seus sentimentos. Ao longo desse período, os pesquisadores aplicaram formulários de acompanhamento online para avaliar a frequência de pensamentos autocríticos e de sintomas depressivos.

Os resultados mostraram uma redução significativa dos pensamentos negativos após uma semana de intervenção. Isso sugere que a promoção de uma “transformação” emocional para a saudade pode trazer benefícios para a saúde mental dos indivíduos.

Os cientistas observaram que, ao apresentar a emoção da saudade ao final dos vídeos, houve uma mudança no tom emocional do conteúdo, o que incentivou uma reflexão menos negativa e mais leve nos participantes. Dessa forma, a pesquisa abriu um novo leque de possibilidades, levantando a hipótese de que a saudade pode ser um recurso emocional valioso em abordagens psicoterapêuticas.

Conforme Moll, este estudo representa uma das primeiras tentativas de empregar a saudade como uma intervenção terapêutica estruturada. Os participantes demonstraram alta adesão ao experimento, que foi conduzido sem relatos de eventos adversos. Os resultados ressaltam a necessidade de pesquisas mais abrangentes, como ensaios clínicos randomizados com pacientes diagnosticados com depressão, destacando o potencial terapêutico da saudade como um recurso culturalmente significativo.

Leia a matéria na integra em: olhardigital.com.br

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